Suelme ‘Biela’ E. Fernandes
Conheci Jurandir Xavier na Casa da Cultura pelos idos de 1990, quando passei num concurso da prefeitura no cargo de bibliotecário e o mesmo era Coordenador de Cultura do município no governo do médico Valterly.
Nesta época comecei a conhecer suas pesquisas, bom contador e guardador de histórias, vez por outra acessava os jornais e documentos existentes naquela biblioteca misturada com arquivo e museu de rochas.
Tinha o hábito de manuscrever suas observações e a cada bate papo com curiosos aproveitava para anotar as observações advindas nas suas memórias: o caso da Caboclinha (prostituta que teria desencadeado a guerra entre Morbeck e Carvalhinhos), os bailes no Fecha Nunca (antiga denominação dos cabarés) os valentões pistoleiros Teodorinho, Plácido Maranhense, Mariano Gomes, Getulinho, Zequinha Preto, Pedro Cavaco, José Leal e Antônio Cândido da Silva o lendário Sete Escamas pai do seu Vespasiano e avô do Zebra.
Dizia que aquele seus livros iam causar muita polêmica quando fossem publicados, pois revelaria bastidores da história política local, a verdade sobre as urnas que sumiam na época do Rochinha, as manipulações dos mapas eleitorais e até dos homicídios com motivação política de Poxoréu.
Aprendi no curso de História dito por não sei quem, mas não importa, que quando um velho morre é equivalente a uma biblioteca incendiada, a frase refere-se ao imenso potencial de memórias sociais armazenada nos arquivos virtuais do cérebro de uma pessoa com muita vivência e o prejuízo decorrente destas perdas após a morte.
Para a psicologia e a neurologia não existem memórias mortas ou enterradas, experiências de pesquisas com idosos revelaram que os mais velhos na beira da morte sentem inevitavelmente a necessidade de revelar informações silenciadas por muito tempo, filhos fora do casamento, crimes cometidos... seria uma espécie de medo da morte ou do juízo final.
Aprendi também que as condições para se revelar os segredos para posteridade são históricas e precisam de condições adequadas e favoráveis para aflorarem, a consciência de Jurandir Xavier a este respeito era tanta que inclusive as registrou em seu livro: Hoje, felizmente, já livres dos opressores afastados e extintos pelas suas próprias práticas obsoletas, urge que, ainda nesse momento histórico, salvemos o nosso enferrujado, carcomido, mas glorioso passado. (...) Façamos a nossa parte publicando o que sabemos. Não sejamos conhecidos como omissos injustificáveis. (p.11 e 12).
Antes de morrer Xavier me informou que o segundo volume de seu livro estava quase pronto. Estes registros no prelo devem ser resgatados imediatamente para termos uma publicação como obras póstumas, pois estou curiosíssimo para ler o seu segundo livro, ciente de sua importância histórica, Jurandir afirmou no volume I Poxoréo e o Garças: o outro volume promete ser mais interessante, pois contará fatos mais recentes e revelará os segredos políticos dos caciques poxoreenses, mostrando, sem rebuços, as nuances de uma política arcaica e altamente perigosa, parte da qual foi vivida pelo autor. (P.12).
Sendo assim resta a pergunta: Para quem Jurandir contou estes segredos? Onde estão seus rabiscos, anotações, documentos e digitações para o próximo livro? Quem guardará seus documentos históricos pessoais? Quem publicará o segundo volume do livro?
A arte de escrever e narrar é uma estratégia dos homens para que mesmo depois de mortos permaneçam vivos entre nós, o mesmo fazem os avós sentados na varanda contando feitos heróicos de sua vida aos netos ou deixando relíquias preciosas aos seus filhos.
Sendo assim Jurandir não morreu, pois suas memórias (para além de sua presença física) permanecerão entre nós por muito mais tempo, Sócrates ao tomar a cicuta afirmou que “os filósofos não morrem” e complemento, os historiadores também não!
Para os céticos que ainda duvidam disso, abram o livro Poxoréo e o Garças e lá estará o velho paraibano lúcido e vívido cheio de lembranças sentado numa cadeira de balanço na área de sua casa com vistas para o rio Areia a narrar suas histórias e memórias, o bom e querido amigo Jurandir Xavier, nosso guardião da memória que agora se tornou imortal!
Suelme ‘Biela’ E. Fernandes. Mestre em História da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT.
Nota do Editor: Artigo publicado originariamente no Blog Poxoréu, do upenino João Batista de Araújo Barbosa Batistão -
http://pox.zip.net/.