sábado, 11 de janeiro de 2014

Ainda há esperança

Ainda há esperança
                                               Gaudêncio Amorim
                        Era manhã de sexta feira, pouco menos de 10h, quando uma cena incomum me chamou a atenção. Sim, era incomum observar o gênero humano praticar boas ações, em tempos atuais, salvo as devidas exceções.  Uma criança, entre 8 e 10 anos, entregava uma mini cesta de alimentos a uma senhora que, exausta carpia as gramíneas em derredor de sua casa.
                        A senhora de pele branqueada, 50 anos em média, lenço amarrotado nos cabelos, olhos profundos e esguios, roupas em molambos, aproximadamente 1,60m de altura e com pouco menos de 50k de peso, recebeu os alimentos com entusiasmo notável. Seus olhos se iluminaram na velocidade da luz. Parecia achar forças onde elas não mais existiam, em virtude do corpo severamente castigado pela fome. Agradeceu a criança, sugerindo que assim o fizesse à mãe – aquela que lhe enviara os alimentos, sem que ela os pedisse, embora fosse visível tal necessidade. Bruscamente deixou o local para cozê-los.
                        Entre os alimentos, uma bolsa de arroz, um pacote de feijão, um kg de  sal, dois kg de açúcar, duas barras de sabão, um litro de óleo e quatro pães franceses amanhecidos, agressivamente devorados pela senhora, enquanto aqueciam o fogão para cozer o arroz e o feijão até ao ponto de consumo. Todavia, essa cena trágica e indesejada no cenário social é mais real do que se supõe a nossa vã filosofia. A pobreza e a miséria caracterizada pela ausência de alimentos e de bens materiais, informações e conhecimentos é fato comum na grande maioria das sociedades capitalistas, o que não era comum eram as razões por traz das doações, do extremo gesto filantrópico de um desconhecido, tão pobre quanto a beneficiada.
                        Apressei os passos atrás da criança que entregara os alimentos e logo a alcancei empurrando uma bicicleta velha. Indaguei o nome e ela, loquazmente me respondeu:
_ Lucas, senhor! Fui ali levar umas coisas para dona Maria do seo Januário que minha mãe mandou entregar.
_ Por que? Você trabalha em algum mercado como menor aprendiz? Perguntei curioso em ver uma criança, tão nova trabalhando, como se supunha ser.
_ Não, moço... não trabalho em lugar nenhum, não. É que minha mãe disse que na casa daquela mulher lá, a dona Maria, não tinha nada pra comer. Então dividiu os nossos alimentos lá de casa e disse pra eu ir lá entregar. Eu fui! É dura essa vida, né moço!!!
_ Mas por que sua mãe doou seus alimentos, se os tinham tão pouco? Indaguei.
_ Pois é, moço, mas aquela mulher não tinha nada. Depois, minha disse que a gente tem que aprender a dividir o pão com quem não tem e Deus saberá multiplicar em nossas vidas o pouco com que ficamos. Eu acredito nisso. E o senhor?
                         Não respondi. Fiquei perplexo, estatelado no meio do caminho, em choque comigo mesmo. Não era um sentimento ruim, mas uma percepção promissora no que se refere à salvação do homem e à transformação da própria sociedade que, à altura daquele capitalismo selvagem, só enxergava números, preferencialmente aqueles constantes das operações matemáticas de adicionar e multiplicar.
                        Naquela filosofia de vida, se as demais famílias estivessem ensinando seus filhos, o futuro seria bem melhor, exatamente em função das sementes que se plantavam no presente.