Na vida, vida; na
morte: que vida!
Prof.
Gaudêncio Amorim
mortas para a vida. Como
é possível que haja um fenômeno tão contraditório que possa se conter nas
afirmações acima? Não só é possível como é visível aos olhos humanos, sem
imprimir sofisticados esforços.
Dia
04 de novembro de 2014, a
cidade de Poxoréu perdeu o seu maior menestrel. Um mestre do violão, cantor e
compositor da melhor musica popular brasileira, há mais de 20 anos dedicado à
cultura, seja pela União Poxorense de Escritores – UPE, seja pelos seus
empreendimentos individuais , mormente aqueles capitaneados pela sua larva no
dia das mães ou nas vésperas de natal e aqueles outros revivificados nas
dezenas de noites de serestas do Diamante Clube ou na casa de um ou outro amigo.
O pai de família exemplar; o cidadão ético e correto; o artista que cantou
Poxoréu para o Brasil, principalmente, como vencedor do FESCANPOX, no
cinqüentenário municipal, em 1988.
Foi,
durante a sua existência, o artista inseparável da voz e do violão, seja para
encantar multidões com as melodias, seja para formar discípulos na arte dos
violões solados chorando canções nas boemias noturnas, tertúlias, saraus e, na
maioria dos eventos de Poxoréu, em que a musica se fazia a melhor companhia.
Este artista faleceu de um câncer, naquela manhã de novembro, exaurido pela
falência múltiplas dos órgãos nos quais a doença, a algum tempo, se fazia
hospedeira, embora no seu funeral, o poeta Izaias Resplandes afirmava:
“Amorésio não morreu!” e, de certa forma, sua crença corrobora a acertiva do
caput deste texto: há pessoas que, quando morrem, continuam vivas!
Não
sem razão, a sua despedida do mundo material, foi regrada a uma tertúlia
improvisada da União de Escritores, a uma missa de variadas e emocionantes
mensagens e uma carreata de centenas de automóveis na marcha funeral para
devolver o seu corpo ao pó, embalado pela sua própria musica através do serviço
de som que ladeava a viatura fúnebre. Isso era algo, senão sui generis, inusitado, pois a musica não cultuava a dor e o
luto, normalmente materializado nos piores momentos do após morte, mas na
alegria e no prazer de ter amado sua cidade e sua gente, que por sua vez, se
revestia no contentamento coletivo de aceitação passiva da morte, como fenômeno
natural da vida, principalmente daquela vida, que continuava sendo vida
desprovida da matéria, nas lembranças insondáveis e eternas da cidade que lhe
proclamou a sua memória na percepção permanente do exemplo de vida. Diante
daquela cena incomum, o povo se aglomerou para aplaudir a passagem do menestrel
Amorésio, através da musica que tanto cantou a vida e que agora continuava
difundindo, ainda com maior veemência.
O espírito que percorre os
mistérios da morte, seja para a
reencarnação, seja para o paraíso, conforme as
crenças e as filosofias da humanidade, não terá dificuldade de se conformar a
quaisquer das situações aventadas: se para o paraíso, tomando aqui a concepção
egípcia[1]
de responder as perguntas: Se ele alcançou a alegria de viver?, a resposta
seria plena e intitubeável, pois jamais contemplamos um Amorésio que não
tivesse no rosto um sorriso, uma paz no coração e uma palavra amiga e sábia
para aplacar as inquietudes daqueles com quem se relacionava; Se ele propiciou
alegria a outras pessoas? Teria na porta do paraíso uma multidão de testemunhas
para falar por ele de sua alegria na terra, na maioria dos encontros que a vida
lhe oportunizou. Entretanto, se as deduções não forem estas e o espírito tiver
que se reencarnar, bem aventurado o corpo que o receber e, se ainda, numa
hipótese derradeira, o seu espírito tomar a destinação narrada por Dante
Alighieri, na Divina Comédia, terá o paraíso celestial como prêmio, sem a
parada obrigatória no purgatório.
Amorésio Souza Silva foi um
cidadão de um tempo, mas referência para a vida; foi um homem do presente,
porém conectado às perolas do passado e foi imbuído de lapidar os diamantes do
futuro. Dallai Lama escreveu: “E por
pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente, de forma que acabam por
não viver nem no presente nem no futuro”. Amorésio que, sem se preparar
para a morte precoce e inesperada, vive depois dela, de forma profunda, intensa
e colaborativa. O próprio Dalai Lama, afirma que há pessoas que “vivem como se nunca fossem morrer... e
morrem como se nunca tivessem vivido”. O fato é que o maior menestrel de
Poxoréu, talvez inconscientemente, preocupou-se em acrescentar vida aos seus
dias e não dias em sua vida e passou por toda sua existência humana,
contemplando a natureza e admirando o que de melhor possuía o gênero humano,
como bem atestou a viúva – Maria Auxiliadora da Silva e Silva em depoimento à
noite do funeral, de que, “quando alguém encontrava defeitos nos outros, ele,
de forma muito sutil, começava descrever as virtudes do ser em questão como se,
deliberadamente, desejasse ensinar que viemos à Terra para sermos seres
criadores e para vivermos sem prejulgar o outro, já que nos seria licito sermos
nós mesmos, não os outros.
Poxoréu, como em todos os
lugares, tem grandes homens, todavia, pela prática de muitos deles, se tornaram
pequenos demais para entrar na história. Amorésio Souza Silva foi um homem
humilde, simples, honrado: um ser humano do maior quilate e, por isso mesmo,
grande para a história, cujos feitos despertarão as gerações do futuro para
aquilo que é essencial em todos os tempos: a grandeza do gênero humano.
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