segunda-feira, 21 de maio de 2012

A ODISSEIA DE JOÃO

         Edinaldo Pereira

               I
João era um caboclo forte
Vindo das bandas do Norte
Onde a vida era dura
Habitante do agreste sertão
Cansou de ver a criação
Padecer e morrer em tamanha secura

               II
A lavoura não vingava
A semente mal germinava
E morria ainda plantinha
Na alma crescia o tormento
Dependia seu alimento
De uma chuva que não vinha

               III
Como homem que a fé preza,
Já havia feito reza
Missa, promessa e benzeção.
Valeu-se dos santos e, por isso,
Confiou no Padre Ciço
O verdor da plantação.

               IV
Virou brejo o que era rio
E no açude vazio
A austera terra rachada
Sentenciava à pena de morte
O gado, outrora gordo e forte
Reduzido a magra vacada

               V
Alimentar o gado era preciso
E já diminuto o riso
Em sua face abatida
Junto com o irmão Bimba
Ia à mais distante cacimba
Buscar a água da vida

               VI
As grossas mãos calejadas
Aos céus são elevadas
Numa fé desesperada
Sem chuva, nada vinga
Na ressequida caatinga
A esperança é ceifada

               VII
Era preciso sair dali
Fazer arribação e sumir
Era  o seu sonho maior
Pra uma terra benfazeja
Onde verter o suor seja
Garantia de vida melhor.

               VIII
Por anos o sonho acalentou
E o triste dia chegou
De despedir-se dos seus
“bença, mãe; bença,pai”
Brota a lágrima e cai
Pranteando o seu adeus.

               IX
E olha a poeirenta estrada
Sonhando em fazer morada
Num mais verde lugar.
A pé, de caminhão, de carroça
Eu saio daqui da roça
É pro Sul que vou migrar.

               X
Havia ouvido o boato
De que existia, de fato,
Perdido lá nos cerrados
Do Mato Grosso distante
Fartura de diamante
Na terra dos índios coroados

               XI
No fascínio daquela imagem
Urgia empreender a viagem
Fosse qual fosse a dureza.
Vendeu suas magras rezes
Para, ao fim de alguns meses,
Chegar à terra da riqueza.

               XII
Partiu em lombo de mula
Levando parca matula
E dinheiro quase nenhum.
Chegou a vagar a pé
Esse homem de muita fé
E coragem fora do comum.

               XIII
O sertão pra trás ficou.
Muito adiante, a paisagem mudou
E ele ficou maravilhado.
As altas árvores da floresta
A seus olhos faziam festa
Prenunciando um reino encantado.

               XIV
Por Goiás também passou
Garças e Araguaia atravessou
E ele agradeceu ao céu
Chegara ao lugar sonhado
A sua Canaã no cerrado
Terra onde escorre leite e mel.

               XV
“Eis Poxoréu” – indicava o arauto
Um solitário monte alto,
Elevação de rara beleza.
No planalto dos Alcantilados
Vige o eterno reinado
Do velho Morro da Mesa.

               XVI
Chegou, enfim, à corrutela
Lugar de beleza singela
Poucas ruas, a praça e a Matriz.
Agradeceu então a Deus
Chorando a saudade dos seus
Sentiu-se dos homens o mais feliz.

               XVII
Foi trabalhar na Raizinha
No Jácomo e no Zuzinha
Nas Alminhas, no Alto Coité.
Passou também no Corguinho
E nos matames do Poxoreuzinho
Em bamburrar crescia a fé.

               XVIII
O cearense aventureiro
De retirante a garimpeiro
Nos festejos de São João
Num cabaré da Rua Bahia
Enrabichou-se com Maria
E fez dela a sua paixão

               XIX
Disse-lhe: “Vivo da dura lida
Mas te tiro dessa vida
E te faço minha companheira”
Ele propôs e ela quis
Sonharam uma vida feliz
Até a hora derradeira

               XX
“Se me permitir o destino
Logo te faço um menino
E família vamos ser.
Deus, num garimpo distante,
Já plantou um diamante
E sou eu quem vai colher"
  
               XXI
Nos incontáveis dias passados
Escavando os catreados 
Sob o sol e sob a chuva
Sonhou haver bamburrado
E o seu diamante encontrado
Nos monchões da Cambaúva

               XXII
Pra lá logo se tranferiu
O seu barraco construiu
Com palhas de buriti.
No primeiro corte ele viu
Na peneira um bom chibiu
“Só rico saio daqui!”

               XXIII
O resto, foi cascalho queimado
Nenhum importante achado
Lhe inspirava o dia.
Saía, de manhã,  esperançoso
Voltava, à tarde, nervoso
Pros braços da sua Maria

               XXIV
Naquela manhã, foi diferente
Não foi cedo pro batente
Preferiu ficar na cama
Mal comeu o quebra-torto
E sentou-se, absorto,
Ao lado da mulher que ama

               XXV
Encheu de água a cabaça,
Pegou a sua cachaça
Apressando-se nos trieiros
O alto barranco do monchão
Precisava de uma contenção  
Ou desabaria inteiro

               XXVI
Um muro arquitetou
Paus e pedras empilhou
Na piçarra do catreado.
Um estrondo então se ouviu
E João não mais se viu
Tristemente soterrado.

               XXVII
Acorreram os companheiros
Valentes irmãos garimpeiros
Numa busca desesperada
Com a alma dolorida
Avistaram a mão sem vida
Em meio à areia molhada

               XXVIII
Nada mais havia a ser feito
Se não retirar desse leito
O corpo inerte de João.
“Ah, maldita Cambaúva!”
Desesperada a viúva
Acompanhava a remoção

               XXIX
Assim terminou João
Retirante do sertão
E sua vida inglória...
No cemitério, mais uma cruz
Ao céu um cristão conduz
Assinando sua história

               XXX
Do Ceará que ele deixou
À terra que adotou
Como pátria derradeira
Ecoe plangente oração
Em sufrágio a mais um João
E sua alma garimpeira.

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