Hologramas
humanos
Gaudêncio
Amorim
A sociedade, ao longo da história, passou por diferentes formas de alienação e ainda hoje sofre os efeitos de vários tipos de exploração, entre elas, a exploração tecnológica, sob a égide de um controle inconsciente, bem à maneira daquilo que constatou Gilles Deluze (1925-1995) tendo no celular o espaço de confinamento. Menos mal, se fosse para engordar as idéias e adquirir conhecimentos para crescimento individual a serviço de si mesmo e do pregresso social ou científico. Mas, não é bem assim.
Não se pode obstar a
utilização da tecnologia para a melhoria da vida em sociedade, mas é discutível
seu uso indiscriminado e inadequado quando corrobora uma espécie de ratificação
da ignorância no âmbito da reprodução do senso comum, reduzindo nossas vidas da
perspectiva de prazeres holísticos à paginas de conversações, fofocas,
pejorações e coisas do gênero, sob a égide de uma falsa liberdade, quando na
verdade, encontram-se sob os domínios das grandes redes e os seus encantamentos
estéreis. A grande maioria se comporta, inconscientemente, como “dono de tudo”,
mas a verdade é que os donos de tudo, afirmariam conscientemente: sabem de
nada, inocentes!
Cenas
como passageiros em pontos de ônibus que perdem o transporte por causa do
“estar em transe” no celular; alguém que não entendeu nada do disse na reunião,
absorvido pelos encantos do “aparelhinho”; O executivo que sequer o desliga
para conduzir a reunião; a (o) adolescente que entra no banheiro para tomar
banho com o celular à mão; a mãe que, se
quer, ouve o choro da criança, absorta em algum endereço eletrônico da rede; o
estudante que ignora os livros, o professor, a presença do colega ao lado,
totalmente alienado - robustos jovens dominados pelos fones de ouvidos e pelas
telas coloridas e multiformes dos celulares, como se todos os mundos possíveis,
fizessem desses aparelhos não “um mundo à parte”, mas o único mundo que parece
preencher suas vidas vazias de significados a ponto de admitirem-se “escravos”
do Google, do Facebok; de jogos eletrônicos e de programas como Whastapp, entre
outros cuja reação inconsciente se dá pela vontade do outros, seja pelo que
eles escrevem, seja pelo que eles falam e, quase nunca pela própria vontade
consciente de quem ouve ou lê. Percebe-se, claramente, uma supervalorização do
mundo virtual em detrimento do mundo real em que, principalmente adolescentes
são teletransportados para um mundo paralelo onde permanecem, horas a fios,
ocupados entre a obrigação e a devoção.
Isto
nos remete para a necessidade de resgatar ou (mesmo de lembrar) de uma condição
humana que nos difere dos animais irracionais: pensar e saber que pensamos; que
podemos ser “escravos” das grandes redes, mas ter consciência dessa alienação,
afinal, os animais sabem (instinto) mas não sabem que sabem. Então, a primeira
grande descoberta nesse emaranhado de encantamento seria a consciência de que
podemos nos encontrar na condição de “fantoche”
de alguém, um manipulador de mentes, principalmente, o surpreendente
mundo da juventude na mão de competentes sofistas para “vender as idéias” sem
vender o seu respectivo valor.
Segundo
dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o Brasil saiu do 7º
lugar em 2003 para o 5º lugar em 2013 em telefonia móvel, atrás de paises populosos
como China, Indonésia e Estados Unidos, conforme se pode depreender da tabela
abaixo:
Consumo de
Celulares no Brasil
Ano
|
Consumo (em
milhões)
|
Ranking no
mundo
|
2003
|
46,4 milhões
|
7º lugar
|
2004
|
65,6 milhões
|
6º lugar
|
2005
|
86,2 milhões
|
5º lugar
|
2006
|
100 milhões
|
4º lugar
|
2007
|
117 milhões
|
4º lugar
|
2008
|
125 milhões
|
5º lugar
|
2009
|
170 milhões
|
5º lugar
|
2010
|
173 milhões
|
5º lugar
|
2011
|
215 milhões
|
5º lugar
|
2012
|
261,8 milhões
|
5º lugar
|
2013
|
271,1 milhões
|
5º lugar
|
Fonte: Anatel, 2013.
Os
dados acima indicam a existência de uma nova mania, a febre nacional dos
celulares, vez que, quase metade da população possui mais de 01 aparelho, se
considerar que o Censo 2010 registrou uma população de 190.755,799 habitantes
e, segundo o próprio IBGE, com projeções para 2014 de atingir 200 milhões de
pessoas no Brasil. Nos números tem muito que comemorar, todavia na forma de se
utilizar a telefonia móvel, faz se mister conhecimento e sabedoria,
principalmente à juventude, que poderá se embrenhar pelo uso compulsivo e
impulsivo do celular.
O
filósofo Sócrates afirmou que a sabedoria consiste exatamente em nos depurar
das nossas próprias imperfeições, mais tarde, seu discípulo Platão teria
acrescentado que o caminho do conhecimento verdadeiro seria o abandono dos vícios
e paixões do mundo. Por acaso, o uso indiscriminado do celular não constitui,
em muitos casos, um típico vício? Desde quando o vício é salutar ao homem e a
vida em sociedade? Alguém já ouviu elogios para um drogado? Um dependente
alcoólico? Ao contrário, o que vemos é uma preocupação para que os viciados
procurem tratamento, cuja terapia com a administração de substâncias químicas possam
contornar a patologia. E, neste
particular, saberemos se o vício do celular constitui uma patologia, se no seu
contrário (o não uso) gerar fenômenos como depressão, insatisfação e até mesmo
a violência. Em alguns países já existem estudos científicos para tratar os
possíveis casos de dependência do Celular, afinal, no estágio em que se caminha
a alienação de alguns, mais dias, menos dias, as clínicas de terapia do celular
constituir-se-ão num importante nicho de mercado.
A
tecnologia deve ser concebida e utilizada para a consolidação dos aspectos
humanos, sociais, intelectuais e econômicos e não para a robotização do homem
ao atender comandos de memórias artificiais como que compostos por elementos da
mecânica que só funciona sob a vontade de um operador. O homem é fim, a máquina
é meio e, em qualquer tempo, é absolutamente inadmissível essa inversão de
valores, sob pena de doutrinar a ignorância.
Assim,
neste particular, o uso dos celulares nas salas de aula, se não for utilizado
como recursos de aprendizagem, poderão ser abolidos delas pelo principio
discricionário das instituições escolares com fundamento na questão regimental,
o seja, na norma que, segundo Émile Durkheim, se constituiria na oferta do fato
social. Pode, por outro lado, ter a compulsividade amenizada pela intervenção
paterna, vez que a maioria dos alunos adolescentes o tem com a permissividade da
família, embora esta nem sempre sabe controlar o uso compulsivo dos filhos ou
mesmo até desconhece sua utilização nas escolas.
É
de se acrescentar que em muitas escolas, não é permitido alunos assistirem
aulas com o celular, principalmente em instituições confessionais, entre
outras, doutrinadas por currículos ocultos e de conhecimentos introspectivos. O
fato é que, salvo a formação humana de cada adolescente, a orientação familiar
de cada aluno, a norma institucional de cada escola, ignorar o uso letal do
celular para aquisição do conhecimento dentro ou fora das salas de aulas, os
mediadores do conhecimento (os professores) poderão se acostumar à repetição de
suas teorias para “prováveis espectros”, alunos sentados numa carteira da sala
com um celular à mão, como que projetados holograficamente, ou seja, o corpo
físico está ali, mas sua mente está inteiramente dominada pelo celular em uma
página do facebok ou Whastapp, dando-se por satisfeitos, se por instantes,
alguns alunos, em coito, livrarem-se do transe e utilizarem-se do próprio
celular para tirar algumas fotos do conteúdo à lousa ou da tela do
retroprojetor para, no dia da prova, fazer uso ou enviar para outros colegas
(foto-torpedo) que não conseguiram romper com “o delicioso e inigualável transe
mental”.
Uma
coisa é a tecnologia a serviço do homem, outra coisa é o mau uso que se faz
dela. No caso da escola e da família o fenômeno é proporcional a liberdade e o
limite; a permissividade e a atitude oposta. Quem decide qual é o melhor canal
de televisão é a família; quem decide o que melhor para a eficiência da
aprendizagem na escola é a escola. O que não se pode ratificar é a crise da
autoridade.
Salve,
salve, oh celular, porém, salve, principalmente, o homem!!
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