quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Hologramas humanos



Hologramas humanos
Gaudêncio Amorim
                         
A sociedade, ao longo da história, passou por diferentes formas de alienação e ainda hoje sofre os efeitos de vários tipos de exploração, entre elas, a exploração tecnológica, sob a égide de um controle inconsciente, bem à maneira daquilo que constatou Gilles Deluze (1925-1995) tendo no celular o espaço de confinamento. Menos mal, se fosse para engordar as idéias e adquirir conhecimentos para crescimento individual a serviço de si mesmo e do pregresso social ou científico. Mas, não é bem assim.
                        Não se pode obstar a utilização da tecnologia para a melhoria da vida em sociedade, mas é discutível seu uso indiscriminado e inadequado quando corrobora uma espécie de ratificação da ignorância no âmbito da reprodução do senso comum, reduzindo nossas vidas da perspectiva de prazeres holísticos à paginas de conversações, fofocas, pejorações e coisas do gênero, sob a égide de uma falsa liberdade, quando na verdade, encontram-se sob os domínios das grandes redes e os seus encantamentos estéreis. A grande maioria se comporta, inconscientemente, como “dono de tudo”, mas a verdade é que os donos de tudo, afirmariam conscientemente: sabem de nada, inocentes!
                        Cenas como passageiros em pontos de ônibus que perdem o transporte por causa do “estar em transe” no celular; alguém que não entendeu nada do disse na reunião, absorvido pelos encantos do “aparelhinho”; O executivo que sequer o desliga para conduzir a reunião; a (o) adolescente que entra no banheiro para tomar banho com o celular à mão;  a mãe que, se quer, ouve o choro da criança, absorta em algum endereço eletrônico da rede; o estudante que ignora os livros, o professor, a presença do colega ao lado, totalmente alienado - robustos jovens dominados pelos fones de ouvidos e pelas telas coloridas e multiformes dos celulares, como se todos os mundos possíveis, fizessem desses aparelhos não “um mundo à parte”, mas o único mundo que parece preencher suas vidas vazias de significados a ponto de admitirem-se “escravos” do Google, do Facebok; de jogos eletrônicos e de programas como Whastapp, entre outros cuja reação inconsciente se dá pela vontade do outros, seja pelo que eles escrevem, seja pelo que eles falam e, quase nunca pela própria vontade consciente de quem ouve ou lê. Percebe-se, claramente, uma supervalorização do mundo virtual em detrimento do mundo real em que, principalmente adolescentes são teletransportados para um mundo paralelo onde permanecem, horas a fios, ocupados entre a obrigação e a devoção.
                        Isto nos remete para a necessidade de resgatar ou (mesmo de lembrar) de uma condição humana que nos difere dos animais irracionais: pensar e saber que pensamos; que podemos ser “escravos” das grandes redes, mas ter consciência dessa alienação, afinal, os animais sabem (instinto) mas não sabem que sabem. Então, a primeira grande descoberta nesse emaranhado de encantamento seria a consciência de que podemos nos encontrar na condição de “fantoche”  de alguém, um manipulador de mentes, principalmente, o surpreendente mundo da juventude na mão de competentes sofistas para “vender as idéias” sem vender o seu respectivo valor.
                        Segundo dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o Brasil saiu do 7º lugar em 2003 para o 5º lugar em 2013 em telefonia móvel, atrás de paises populosos como China, Indonésia e Estados Unidos, conforme se pode depreender da tabela abaixo:
Consumo de Celulares no Brasil
Ano
Consumo (em milhões)
Ranking no mundo
2003
46,4 milhões
7º lugar
2004
65,6 milhões
6º lugar
2005
86,2 milhões
5º lugar
2006
100 milhões
4º lugar
2007
117 milhões
4º lugar
2008
125 milhões
5º lugar
2009
170 milhões
5º lugar
2010
173 milhões
5º lugar
2011
215 milhões
5º lugar
2012
261,8 milhões
5º lugar
2013
271,1 milhões
5º lugar
Fonte: Anatel, 2013.
                        Os dados acima indicam a existência de uma nova mania, a febre nacional dos celulares, vez que, quase metade da população possui mais de 01 aparelho, se considerar que o Censo 2010 registrou uma população de 190.755,799 habitantes e, segundo o próprio IBGE, com projeções para 2014 de atingir 200 milhões de pessoas no Brasil. Nos números tem muito que comemorar, todavia na forma de se utilizar a telefonia móvel, faz se mister conhecimento e sabedoria, principalmente à juventude, que poderá se embrenhar pelo uso compulsivo e impulsivo do celular.
                        O filósofo Sócrates afirmou que a sabedoria consiste exatamente em nos depurar das nossas próprias imperfeições, mais tarde, seu discípulo Platão teria acrescentado que o caminho do conhecimento verdadeiro seria o abandono dos vícios e paixões do mundo. Por acaso, o uso indiscriminado do celular não constitui, em muitos casos, um típico vício? Desde quando o vício é salutar ao homem e a vida em sociedade? Alguém já ouviu elogios para um drogado? Um dependente alcoólico? Ao contrário, o que vemos é uma preocupação para que os viciados procurem tratamento, cuja terapia com a administração de substâncias químicas possam contornar a patologia.  E, neste particular, saberemos se o vício do celular constitui uma patologia, se no seu contrário (o não uso) gerar fenômenos como depressão, insatisfação e até mesmo a violência. Em alguns países já existem estudos científicos para tratar os possíveis casos de dependência do Celular, afinal, no estágio em que se caminha a alienação de alguns, mais dias, menos dias, as clínicas de terapia do celular constituir-se-ão num importante nicho de mercado.
                        A tecnologia deve ser concebida e utilizada para a consolidação dos aspectos humanos, sociais, intelectuais e econômicos e não para a robotização do homem ao atender comandos de memórias artificiais como que compostos por elementos da mecânica que só funciona sob a vontade de um operador. O homem é fim, a máquina é meio e, em qualquer tempo, é absolutamente inadmissível essa inversão de valores, sob pena de doutrinar a ignorância.  
                        Assim, neste particular, o uso dos celulares nas salas de aula, se não for utilizado como recursos de aprendizagem, poderão ser abolidos delas pelo principio discricionário das instituições escolares com fundamento na questão regimental, o seja, na norma que, segundo Émile Durkheim, se constituiria na oferta do fato social. Pode, por outro lado, ter a compulsividade amenizada pela intervenção paterna, vez que a maioria dos alunos adolescentes o tem com a permissividade da família, embora esta nem sempre sabe controlar o uso compulsivo dos filhos ou mesmo até desconhece sua utilização nas escolas.
                        É de se acrescentar que em muitas escolas, não é permitido alunos assistirem aulas com o celular, principalmente em instituições confessionais, entre outras, doutrinadas por currículos ocultos e de conhecimentos introspectivos. O fato é que, salvo a formação humana de cada adolescente, a orientação familiar de cada aluno, a norma institucional de cada escola, ignorar o uso letal do celular para aquisição do conhecimento dentro ou fora das salas de aulas, os mediadores do conhecimento (os professores) poderão se acostumar à repetição de suas teorias para “prováveis espectros”, alunos sentados numa carteira da sala com um celular à mão, como que projetados holograficamente, ou seja, o corpo físico está ali, mas sua mente está inteiramente dominada pelo celular em uma página do facebok ou Whastapp, dando-se por satisfeitos, se por instantes, alguns alunos, em coito, livrarem-se do transe e utilizarem-se do próprio celular para tirar algumas fotos do conteúdo à lousa ou da tela do retroprojetor para, no dia da prova, fazer uso ou enviar para outros colegas (foto-torpedo) que não conseguiram romper com “o delicioso e inigualável transe mental”.
                        Uma coisa é a tecnologia a serviço do homem, outra coisa é o mau uso que se faz dela. No caso da escola e da família o fenômeno é proporcional a liberdade e o limite; a permissividade e a atitude oposta. Quem decide qual é o melhor canal de televisão é a família; quem decide o que melhor para a eficiência da aprendizagem na escola é a escola. O que não se pode ratificar é a crise da autoridade.
                        Salve, salve, oh celular, porém, salve, principalmente, o homem!!

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