quinta-feira, 20 de setembro de 2012

AOS VERMES


Ó, vermes que a minha carne comem
Que se saciam da minha putrefação
Acelerando a minha decomposição
Tornando lixo o que já foi homem

Multiplicai-vos em minha entranhas
Deleitai-vos dos meus tecidos
Sejam meus órgãos consumidos
Ao final de vossas façanhas

No frio silêncio desta sepultura
Comprovado que a morte é vencível
Debruçai-vos no corpo corruptível
A sete palmos de fundura

Tornai pó aquilo que do pó veio
No gênesis está o vosso mandamento
Ordeno-vos sem nenhum constrangimento
Agora da vida completamente alheio

Ó vós, vermes, fungos e bactérias
Decompositores neste caixão nauseabundo
Removei definitivamente do mundo
Esse corpo pródigo em misérias

Para que vossa tarefa seja finda
Do rosto desfigurai-me as feições
Removei cartilagens, nervos e tendões
Limpai meus ossos, tão tenros ainda

Reste, enfim, um esqueleto vestido
Em ruça e rota, pútrida mortalha
Corpo reduzido à última migalha
Resquício de ser há muito morrido

Ride da lápide com que me presentearam
E seu epitáfio tosco de frases banais:
“Aqui jazem os restos mortais...”
“Saudade de todos os que o amaram...”

Como eu me rio das velas ardendo
E das tantas chorosas condolências
Das exéquias para manter as aparências
E de uns pranteando e outros bebendo

Quando, enfim, chega o carro funerário
A hora fatídica do último adeus
Nos rostos, o choro dos queridos meus
No bolso dos agentes, o pertinente numerário

Em meu sufrágio, missa de corpo presente
Ataúde fechado, aspersão de água benta
Súplica, bênção que da danação me isenta
E a gente que chora o que o morto não sente

O féretro é conduzido em triste procissão
Rumo à necrópole, derradeira morada
À campa na terra vermelha escavada
À eternidade na completa escuridão

À beira do sepulcro, o esquife aberto
Um silêncio lutuoso impera no ambiente
Balbuciam-se preces em meio à gente
Fecham-no para ir ao seu destino certo

Por fim, o túmulo é lacrado
Encaminham-se todos portão afora
Plangentes e silentes, vão-se embora
Seu infausto mister está encerrado.

No campo santo, um túmulo solitário
Mais um habitante da Cidade dos Pés Juntos
Mais um em meio a tantos mais velhos defuntos
Aos vivos, siga-se o rito testamentário...
Edinaldo Pereira de Souza

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