Ó, vermes que a minha
carne comem
Que se saciam da minha
putrefação
Acelerando a minha
decomposição
Tornando lixo o que já
foi homem
Multiplicai-vos em
minha entranhas
Deleitai-vos dos meus
tecidos
Sejam meus órgãos
consumidos
Ao final de vossas
façanhas
No frio silêncio desta
sepultura
Comprovado que a morte
é vencível
Debruçai-vos no corpo
corruptível
A sete palmos de
fundura
Tornai pó aquilo que do
pó veio
No gênesis está o vosso
mandamento
Ordeno-vos sem nenhum
constrangimento
Agora da vida
completamente alheio
Ó vós, vermes, fungos e
bactérias
Decompositores neste
caixão nauseabundo
Removei definitivamente
do mundo
Esse corpo pródigo em
misérias
Para que vossa tarefa
seja finda
Do rosto desfigurai-me
as feições
Removei cartilagens,
nervos e tendões
Limpai meus ossos, tão
tenros ainda
Reste, enfim, um
esqueleto vestido
Em ruça e rota, pútrida
mortalha
Corpo reduzido à última
migalha
Resquício de ser há
muito morrido
Ride da lápide com que
me presentearam
E seu epitáfio tosco de
frases banais:
“Aqui jazem os restos
mortais...”
“Saudade de todos os
que o amaram...”
Como eu me rio das
velas ardendo
E das tantas chorosas
condolências
Das exéquias para
manter as aparências
E de uns pranteando e
outros bebendo
Quando, enfim, chega o
carro funerário
A hora fatídica do
último adeus
Nos rostos, o choro dos
queridos meus
No bolso dos agentes, o
pertinente numerário
Em meu sufrágio, missa
de corpo presente
Ataúde fechado,
aspersão de água benta
Súplica, bênção que da
danação me isenta
E a gente que chora o
que o morto não sente
O féretro é conduzido
em triste procissão
Rumo à necrópole,
derradeira morada
À campa na terra
vermelha escavada
À eternidade na
completa escuridão
À beira do sepulcro, o
esquife aberto
Um silêncio lutuoso
impera no ambiente
Balbuciam-se preces em
meio à gente
Fecham-no para ir ao
seu destino certo
Por fim, o túmulo é
lacrado
Encaminham-se todos
portão afora
Plangentes e silentes,
vão-se embora
Seu infausto mister
está encerrado.
No campo santo, um
túmulo solitário
Mais um habitante da
Cidade dos Pés Juntos
Mais um em meio a
tantos mais velhos defuntos
Aos vivos, siga-se o
rito testamentário...
Edinaldo
Pereira de Souza