quinta-feira, 7 de agosto de 2014

SONHO

Encontrei-a numa dessas madrugadas frias
É bem verdade que ela estava diferente
Seu sorriso não desenhava mais a paz
Nem seus olhos revelavam tranquilidade.

Lembro-me que fiquei ali parado
Desejando correr, mas amarrado ao chão
Desejando abraçar, mas atado violentamente
Louco para falar, mas mudo.

“Imagine, flor, a agonia que tomou meu coração?
Faz ideia do combate violento que travei?
E o pior, flor, é que nem sabia quem ali estava
Além de mim mesmo, servindo-me de adversário.”

E ela? Ah! Lá, ao longe, sorrindo friamente.
Cadê aqueles lábios vermelhos?
Cadê aquele pele corada?
Cadê os olhos, a voz, a alegria?

Percebi que ela veio em minha direção
Tão lentamente que me pareceu uma eternidade
Tentei caminhar, mas foi inútil.
Algo me prendia ali, tal qual uma estátua.

Quando chegou perto de mim, o susto foi maior
Cadê aquele perfume de jasmim matinal?
Cadê o amor expresso nos gestos?
Cadê a mulher que eu sempre amei?

Ela falou que era o nosso fim
Que não me amava mais
Que esse amor tinha sido um engano
E que não sabia o que tinha em mim visto.

Disse-me que eu era ruim de cama
Que eu era pobre, sem papo e burro
Falou até do meu hálito
E do meu hábito de dormir lendo.

Ah! Falou que canto pior que uma gralha
E que sempre odiou os saraus
Reclamou das minhas piadas
Disse até que eu sempre beijei mal.

Fiquei estático, sem entender nada
Até sem voz para responder.
O que era aquilo tudo?
Até que despertei e, percebi, que um sonho acabara de ter.

Foi um sonho, terrível sonho!
Isso explica toda a minha imobilidade!
Olhe ali, ao meu lado, estava deitada
A mulher de amor nos olhos que eu amava.

Quando despertei contei-lhe o sonho
Entre risos que só eram meus!
Eu dizia “que coisa absurda”
Ela os lábios nem moveu!

“Não foi sonho não
Talvez o sonho só antecipou os fatos,
Para mim não da mais
Você está solteiro, sem casa, sem mim.”

Como desejei que os lábios continuassem imóveis!
Porra! Que mulher sem coração
Isso é coisa de dizer logo pela manhã
Depois de uma noite de pesadelos?

Levantei-me da cama amarrotado por dentro
Pus o primeiro calção que vi!
Fui a cozinha pegar água.
Ela ficou no quarto a rir!

É claro que de mim sorria
Da minha cara, besta cara de atônito
            Ela ria da pobre crença que eu tinha
De um amor envelhecido pelos muitos anos.

A víbora se arrumou e desceu a escada
E eu pensando em qual pesadelo estava
Ela, descaradamente, propôs-me uma transa
Para que eu ficasse com mais saudade ainda.

Quando arranquei seu sutiã vermelho
E, quando ia pegar o que eles guardavam, acordei
Percebi que estava num sonho do sonho
E vi, que ela ainda dormia ao meu lado.

Fiquei pensando o limite entre sonho e realidade
E, pelo sim pelo não, dessa vez não acordei-a.
Se a vida é um grande sonho besta
Dormirei para continuar tirando suas íntimas peças.

Wallace Rodolfo

Um comentário:

  1. Amigo poeta. Qual o limite entre o sonho e a realidade? O que é sonho e o que é realidade. Já leu "O Mundo de Sofia"? Ele fala um pouco disso. Como você pode ter certeza de que ainda não está dormindo e sonhando? E que nesse momento eu entrei no seu sonho para discutir essa questão? Eu gostaria de saber sobre isso, porque eu tenho pensado muito nisso, principalmente para decidir sobre a possibilidade de acordar caso eu esteja dormindo, ou de continuar dormindo, caso eu esteja acordado. Fico aguardando sua resposta, esperando que não acorde antes que ela chegue. Bela poesia.

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