Ainda há esperança
Era manhã de sexta feira, pouco
menos de 10h, quando uma cena incomum me chamou a atenção. Sim, era incomum
observar o gênero humano praticar boas ações, em tempos atuais, salvo as
devidas exceções. Uma criança, entre 8 e
10 anos, entregava uma mini cesta de alimentos a uma senhora que, exausta
carpia as gramíneas em derredor de sua casa.
A
senhora de pele branqueada, 50 anos em média, lenço amarrotado nos cabelos,
olhos profundos e esguios, roupas em molambos, aproximadamente 1,60m de altura
e com pouco menos de 50k de peso, recebeu os alimentos com entusiasmo notável.
Seus olhos se iluminaram na velocidade da luz. Parecia achar forças onde elas
não mais existiam, em virtude do corpo severamente castigado pela fome.
Agradeceu a criança, sugerindo que assim o fizesse à mãe – aquela que lhe
enviara os alimentos, sem que ela os pedisse, embora fosse visível tal necessidade.
Bruscamente deixou o local para cozê-los.
Entre
os alimentos, uma bolsa de arroz, um pacote de feijão, um kg de sal, dois kg de açúcar, duas barras de sabão, um
litro de óleo e quatro pães franceses amanhecidos, agressivamente devorados
pela senhora, enquanto aqueciam o fogão para cozer o arroz e o feijão até ao
ponto de consumo. Todavia, essa cena trágica e indesejada no cenário social é
mais real do que se supõe a nossa vã filosofia. A pobreza e a miséria caracterizada
pela ausência de alimentos e de bens materiais, informações e conhecimentos é
fato comum na grande maioria das sociedades capitalistas, o que não era comum
eram as razões por traz das doações, do extremo gesto filantrópico de um
desconhecido, tão pobre quanto a beneficiada.
Apressei os passos atrás
da criança que entregara os alimentos e logo a alcancei empurrando uma
bicicleta velha. Indaguei o nome e ela, loquazmente me respondeu:
_ Lucas, senhor! Fui
ali levar umas coisas para dona Maria do seo Januário que minha mãe mandou
entregar.
_ Por que? Você
trabalha em algum mercado como menor aprendiz? Perguntei curioso em ver uma
criança, tão nova trabalhando, como se supunha ser.
_ Não, moço... não
trabalho em lugar nenhum, não. É que minha mãe disse que na casa daquela mulher
lá, a dona Maria, não tinha nada pra comer. Então dividiu os nossos alimentos lá
de casa e disse pra eu ir lá entregar. Eu fui! É dura essa vida, né moço!!!
_ Mas por que sua
mãe doou seus alimentos, se os tinham tão pouco? Indaguei.
_ Pois é, moço, mas aquela
mulher não tinha nada. Depois, minha disse que a gente tem que aprender a dividir
o pão com quem não tem e Deus saberá multiplicar em nossas vidas o pouco com que
ficamos. Eu acredito nisso. E o senhor?
Não respondi. Fiquei perplexo, estatelado no
meio do caminho, em choque comigo mesmo. Não era um sentimento ruim, mas uma
percepção promissora no que se refere à salvação do homem e à transformação da própria
sociedade que, à altura daquele capitalismo selvagem, só enxergava números,
preferencialmente aqueles constantes das operações matemáticas de adicionar e
multiplicar.
Naquela filosofia de
vida, se as demais famílias estivessem ensinando seus filhos, o futuro seria
bem melhor, exatamente em função das sementes que se plantavam no presente.
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