segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

POXORÉU DE ONTEM... NEM UM PINGO!

Upenino João Batista de Araújo Barbosa,
o Batistão - editor do Blog Poxoréu.
www.pox.zip.net

POXORÉU DE ONTEM... NEM UM PINGO!

Aquilino de Souza

Na década de 1930, Poxoréu era apenas uma pequena vila entre o Rio Poxoréu, e os córregos Areia e Bororo, casinhas de pau a pique embarreadas e cobertas de palhas de babaçu ou zinco, onde fervilhava nos fins de semana, a garimpeirada, os compradores de diamantes, mulheres solteiras, cargueiros de água, lenhadores, tropeiros vindos de vários lugares distantes, trazendo suas mercadorias (arroz, feijão, farinha, milho, carne seca, toucinho, rapaduras, etc.) para serem vendidas na praça.
Durante a semana tudo era tranqüilo, sossegado. Mas nos finais de semana, a Vila regurgitava de gente. O comércio de diamantes e de gêneros de utilidades era intenso, farras, as bebedeiras, a jogatina, as brigas, os crimes, tudo acontecia numa seqüência violenta, refletindo o espírito da época em que o cidadão ignorava a educação, as boas maneiras, a civilidade e se aprimorava no uso das armas, na valentia.
A gravata e a caneta davam lugar à cartucheira de balas, o punhal e o (revólver) 38.
Era comum ver-se, nos sábados e domingos, desfilarem em fila indiana pelo centro da vila, um grupo de valentões denominados por grupo do Lenço Preto. Eram sete a oito homens, vestidos a caráter, calça caqui, camisas mexicanas, chapéus mangeira abas largas, cartucheiras de balas, punhal, (revólver) 38 na cintura, e o indefectível lenço preto no pescoço. Quando esse grupo chegava, todo mundo ficava sobressaltado, temendo as arruaças e brigas que terminavam em velório.
As brigas pelos melhores garimpos eram constantes.
Havia muitos homens e poucas mulheres. Daí, a disputa, as brigas por causas dessa ou daquela garota, com tiroteio, pancadaria e mortes.
As poucas famílias existentes tinham que se manter cautelosas, afastadas do burburinho, as moças de bem e as senhoras respeitáveis.
Os homens de bem tinham que se fazer respeitar, não somente pela conduta exemplar mas, especialmente, pela coragem, valentia e rapidez no uso das armas. Do contrário não sobreviveriam por muito tempo, não. Seriam seguramente uns covardes e desprezíveis defuntos.
A covardia era derrota certa. A sobrevivência estava condicionada a valentia.
Uma coisa era importante: não existiam ladrões. Brigava-se, matava-se, às vezes por causa de suma importância, mas nunca por causa de roubos.
Bebidas, jogos, mulheres, eram os m principais motivos dos crimes. Por isso quem tinha suas esposas ou companheiras as mantinham debaixo de sete chaves.
Na vila de Poxoréu não tinha iluminação, nem mesmo os lampiões de esquina posteriormente arranjados. Também não existia água encanada. À noite as famílias se recolhiam cedo, o comerciante fechava suas portas e a vila estava em plena escuridão.
E foi aí que aconteceu àquela comédia na vida do valentão e o ciumento.
João Hilário, cabra valente, prevenido, tinha uma companheira muito bonita, com quem vivia há muitos anos e tinha uma filha moça, também muito bonita. A mulher e a filha não podiam sair nem À janela, que o Hilário reclamava. Viviam trancadas, espionadas implacavelmente. Como na rua em que moravam viviam também muitas mulheres solteiras, Hilário resolveu mudar-se. Mudaram para uma esquina de rua mais afastada, fazendo o transporte de suas coisas À noite. Terminada a mudança, João Hilário cansado, armou uma rede na sala de frente para dormir, tendo antes recomendado a mulher que arrumasse a cama e dormisse com a filha, que ele iria dormir na rede.
Hilário deitou-se, mas não conseguia conciliar o sono.
Casa de esquina sabe como é, passa um, passa outro, param, conversam. Ruas escuras, transeuntes tropeçando nos caixotes que os comerciantes deixavam nas calçadas, quedas, xingamentos, palavrões, nomes feios a toda hora.
No começo João Hilário se irritou. Depois não tendo mais sono partiu para a curiosidade de ouvir as conversas da esquina, e sorrindo a valer das quedas e tropeções, dos descuidados notívagos.
Lá pelas tantas, os desocupados voltando de suas aventuras noturnas, paravam na esquina e cada um contava as suas proezas, falavam mal de todo mundo. João Hilário aguçava cada vez mais os ouvidos e só faltava morrer de rir baixinho dos casos e piadas contadas pelos malandros. Ficou sabendo de tanta patifaria que não agüentava de curiosidade. Em dado momento, chega na esquina um grupo cantando modinhas. Cantaram umas duas canções e pararam para ouvir um retardatário que chegava dando notícias de ter surpreendido um grupo de namorados, dois homens e duas mulheres se abraçando na esquina próxima. As mulheres carregavam dois baldes d’água que puseram na calçada, para abraçarem aos dois homens , comentou ele.
Quando me aproximei de mansinho e foquei a lanterna para ver quem eram, os homens se arrancaram primeiro, tropeçando nos baldes, derramando toda a água e fazendo um barulho danado. Aí o grupo caiu na gargalhada. Lá dentro em sua rede João Hilário morria de rir. Foi quando alguém perguntou: você conheceu as duas mulheres que estavam abraçadas com os homens? Conheci sim. Eram a mulher e a filha do Hilário.
Nesta altura hilário pula atordoado pela notícia e corre para a cozinha surpreendendo a mulher e a filha que chegam assustadas com os baldes vazios.
- Que diabos vocês andavam fazendo?
- Nós fomos procurar água, mas não achamos nem um pingo...!

Aquilino de Souza, falecido, foi tabelião do Cartório do 2° Ofício, membro da UPE União Poxorense de Escritores e grande conhecedor ocular da história e dos fatos pitorescos de Poxoréu. Crônica publicada no jornal A Gazeta do Estudante, edição n° 11, Poxoréu, 09 de dezembro de 1983. Transcrita do Blog Poxoréu: http://pox.zip.net/arch2011-01-01_2011-01-31.html#2011_01-08_13_00_30-9435715-0, de responsabilidade do upenino João Batista de Araújo Barbosa, o Batistão.

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