Cenário: Morro da Mesa, monte que à distância de
muitos quilômetros avisa aos viajantes que Poxoréu se aproxima. O “Morro do
Gavião Carcará”, conforme denominaram os Bororo que habitaram essas paragens
desde os tempos imemoriais (Kuruguwa
= gavião carcará e Ri = morro).
Subir montanhas tem seus percalços, mas, passo a passo, o que parece ser demasiado sacrifício vai sendo convertido em prazer dos mais raros, desfrutado apenas pelos que se põem a caminho.
Visto de longe, o Morro da Mesa compõe a paisagem
que emoldura a cidade de Poxoréu, complementando as serras que circundam a sua
porção mais ao sul.
Uma palavra o traduz: imponente.
Quem o vislumbra desde a sua base, percebe a energia
que esse monumento de arenito irradia. É um convite à aventura, à liberdade, a
respirar o ar fresco que a brisa constante do topo traz consigo. Tem sido assim
ao longo de muitas décadas e assim será per saecula saeculorum.
A tradição católica do povo nordestino que fundou Poxoréu converteu esse monte num local de peregrinação. Assim, na semana santa, inúmeras pessoas sobem o monte como expiação pelos pecados e para fazer memória do sofrimento do Cristo ao subir o Calvário. Outros o fazem por mera curiosidade. E há aqueles que buscam na subida um momento de contato com a natureza. Na fuga dos fastios cotidianos, impor ao corpo e à mente o desafio de chegar ao cume é higiene mental das mais profícuas e preciosas.
É uma caminhada de 1,5km, com pouco mais de 200m de desnível, que se realiza em 50 minutos. A trilha serpenteia entre árvores e rochas, transpondo obstáculos e recompensando quem se aventura com a visão de um horizonte que se alarga à medida que se sobe: aos poucos, descortina-se Poxoréu... mais uns minutos e o norte se pinta com as luzes de Primavera do Leste.
O vozerio dos primeiros metros converte-se em silêncio espartano e respeitoso, pois é preciso poupar energia e oxigênio. Todos se ajudam: aqui e ali são vistas mãos que se dão e se apoiam. As poucas palavras ouvidas são de estímulo. Somos agora um organismo que se move morro acima. Andamos juntos, sentindo o mesmo cansaço e o mesmo prazer.
Uma pausa... descanso de cinco minutos... as risadas reaparecem. Reiniciamos. Entre rochas e raízes superamos mais dois lances íngremes.
Ânimo! Falta pouco! Um esforço final e passamos o portão de onde se vê o Rio Poxoréu rasgando a paisagem em direção ao Sul, apontando para o relevo que embeleza a região de Jarudore.
O Caminho se estreita, apertado entre a grade de segurança e a rocha. Faltam poucos metros... um gole de água vai bem... respire fundo e dê os últimos passos...
Pronto! Chegamos! Do alto, a cidade fica pequena e a paisagem em 360o não pode ser mais deslumbrante. No horizonte, a leste, um tímido clarão tinge o cimo dos montes, avisando que em instantes o astro-rei nos brindará com sua presença. De início, uma tênue faixa vermelha já contrasta entre o negro do relevo e o céu que já começa a ser mostrado em tons de azul. Num ponto, a luz é mais forte. Já identificamos a exata posição onde o Sol quer se mostrar. E ele se mostra em segundos, iluminando os sorrisos de todos. Um brinde às luzes da aurora! Viva a vida! Irrompe uma salva de palmas... uma revoada de andorinhas nos dá as boas-vindas. Hora de muitas fotos e de café da manhã festivo.
Mais alguns instantes e é chegada a hora de se despedir da montanha e iniciar a descida. Mais algum esforço será necessário. Mais suor será vertido. Desçamos.
Já é dia e o caminho antes percorrido sob a luz de lanternas agora ganha cores que recompensam o caminhar entre as pedras. Atenção redobrada para não escorregar.
Pouco mais de meia hora e já estamos no ponto onde tudo começou. Suados e felizes. Enriquecidos pela experiência e nutridos pelo ar puro. Cansaço que nos fortalece para as inúmeras batalhas que a vida moderna nos impõe.
Retornamos gratos ao Grande Kurugugwári por nos
permitir compartilhar de sua divindade. Que venham outras trilhas!!!
Edinaldo Pereira de Souza